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Carta aberta ao deputado Hugo Leal, redator da Reforma da Recuperação Judicial

“A recuperação judicial tem por objetivo… permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.” (Lei 11.105/05 – art. 47)

Na Lei das XII Tábuas, 451 a. c., o devedor pagava em 30 dias, ou era escravizado. A “Lex Poetelia Papiria”/320 a.c. penaliza o patrimônio e a “Lex Julia Bonorum” (17 a.C.), traz a “Par Condictio Creditorum”, o curador, a massa, e a Itália do norte, na idade média, o processo coletivo. Napoleão (“Code de Commerce”/1803), entretanto, trata severamente o insolvente culpado.

Aqui, nas Ordenações Filipinas/1603 “… com fazenda alhea”, degredo ou morte.

Em 1823, adotamos a Lei Portuguesa. Em 1850, nosso Código Comercial regula a “Quebra”, e a “concordata” impõe maioria entre todos credores. Mauá, com três mil, mundo afora, quebra. Assim, em 1882, a maioria passa aos votantes. 1890 adota a impontualidade. Em 1902, o síndico. 1945 reforça o Magistrado, a Concordata, e acolhe a prestação de serviços.

A Lei 11.101/05 substituiu a Concordata pela Recuperação Judicial.

Nos EUA, surgida para ferrovias/1867, é universalizada em 1898 (Nelson Act). O “New Bankruptcy Code”/1978 segmenta: “Bankruptcy Liquidation”, falência e “Bankruptcy Reorganization”, Capítulos 11, 12 e 13, Recuperação, que abrange todos as dívidas e execuções, mesmo, preferenciais, como as hipotecárias, com um “automatic stay”. A “Securities and Exchange Commission” aprova o plano das “Corporations”.

A reforma permitirá sermos, igualmente, “Debtor-Friendly”, e submeter à CVM o Plano das S.A. abertas.

As dívidas, aqui, podem levar garantidores à insolvência, visto não gozarem das dilações. Como defesa, entretanto, podem reclamar o crédito aportado, pós pedido, à vista e integral, vez que prioritário, em prejuízo da Recuperação.

Alternativamente, poderiam arguir uma “Consolidação Substancial” do grupo econômico, derivada da “confusão patrimonial” – “inversa”, a contrário senso, vez que a benefício da devedora, em prejuízo de sócios e dirigentes garantidores.

A universalidade do concurso executivo é imperativa, sejam créditos fiscais, hipotecários, etc., intocada nossa ordem de preferências.

Ainda, parece necessário antecipar o “stay”, para a data do pedido, liminarmente, por 30 dias. Confirmado, então, vigoraria até a aprovação do plano.

Incontestável que o credor – proprietário fiduciário de imóvel, ou móvel (“trava bancária”), arrendador mercantil, com reserva de domínio, não apenas pela essencialidade, ou não, do bem, de capital, ou não, mas porque – estabeleça com o devedor duas relações jurídicas, conexas, mas absolutamente distintas:

A primeira consolida vínculo obrigacional entre credor e devedor. A segunda consolida vínculo “propter rem” entre credor e garantia.

O crédito objeto da relação obrigacional – credor/devedor – deveria – como todas as demais dívidas – integrar o concurso e adequar seu prazo, por que não?

Pode obedecer, quando menos, ao “stay period”, eventualmente, indexado pelo CDI, vez que a taxa de juros seja uma recorrente causa das dificuldades empresariais. Entretanto, o saldo devedor na data deve ser sempre intangível, salvo do resultado de leilão obrigatório.

A titularidade sobre o bem, de outra feita, como direito real – ainda que na posse do devedor – é, por definição, intocável e inatacável.

Uma reforma “Debtor-Friendly” – ao abrigar no concurso todos os créditos, guardadas suas peculiaridades – permitiria aplicação homogênea nos tribunais e pleno alcance dos objetivos do artigo 47, transcrito.

Helio Ferraz é Administrador Judicial e Vice Presidente da ACRJ

Fonte: Jornal do Brasil

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