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A RECUPERAÇÃO JUDICIAL, O TRATAMENTO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

E DA TRAVA BANCÁRIA.

ALTERAÇÃO DA LEI 11.105/05

 

“O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo o mundo.” Guimarães Rosa – Grande Sertão

 

A “Alienação Fiduciária” e a “Trava Bancária” são dois aspectos que precisam ser enfrentados numa revisão legislativa do Instituto Recuperacional, em nosso olhar, sob inspiração do sistema americano, por ser o mais bem sucedido, internacionalmente, vez que  “debtor friendly”, ou seja, o que mais se coaduna com o princípio da Lei 11.105/05, o qual orienta todo o sistema brasileiro.

Artigo 47A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

Assim, diante de um crédito garantido por Alienação Fiduciária, há que se constatar a existência, digamos assim, de duas naturezas distintas de vínculo jurídico, contidos dentro de uma mesma relação jurídica.

A saber:

Diz, a Lei 9154/97  
Art. 22. A alienação fiduciária …. é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.
Art. 23 Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.
Art. 25. Com o pagamento da dívida…, resolve-se…., a propriedade fiduciária do imóvel.
Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, …, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.
  • No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida….
  • Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.

Portanto.

De um lado, temos um vínculo jurídico, de direito obrigacional, ou seja, a relação de crédito entre a devedora e o titular do crédito, a estipular o aporte, a forma de devolução dos valores, os encargos, etc.

De outro, temos uma vínculo jurídico, de direito real, ou seja, a Afetação de determinado bem imóvel, simultaneamente:

  • a) ao domínio eminente, a posse indireta e a propriedade resolúvel, em favor do credor fiduciário,

e,

  • b) ao domínio útil, a posse direta e a propriedade condicionada, em favor do devedor fiduciante,

Ora, o processo de Recuperação Judicial caracteriza-se como o disciplinamento de um concurso de credores, tendo por objeto a negociação entre o devedor/es e credores, assentado nas premissas do artigo 47, citado.

Se o concurso, entretanto, não tiver caráter universal, envolver a totalidade dos créditos, com  a disciplina do seu conjunto, sejam tributários, alimentares, etc., muitos conflitos interpretativos serão inevitáveis, diante da diversidade de interesses das partes e o próprio entendimento das diferentes instâncias judiciais, diante da ausência de uma disciplina legal global e sistêmica.

Assim, inequivocamente, todos os créditos, enquanto tal, não só podem, como devem  integrar a universalidade passiva, do devedor em recuperação, obedecida, sempre,  entretanto, a ordenação, a gradação e as precedências, expressamente estabelecidas por Lei, a estruturar uma verdadeira, pois integral, “par conditio creditorum”.

Bem entendido, no caso em tela, nos referimos-à faceta estritamente obrigacional e creditícia da relação jurídica que se submeteria ao concurso, ainda assim, com suas especificidades, a respeitar a natureza própria do instituto.

Portanto:

  • a) de um lado, como direito real, deve ser resguardada, integralmente, a intangibilidade do direito ao “Domínio Eminente”, a posse indireta e a propriedade resolúvel sobre o bem imóvel, seja a que título for, dentro do concurso.
  • b) de outro lado, a relação de crédito, propriamente dita, não se justificaria excluída do socorro, quanto a seus prazos e encargos, durante este.

É claro, que o principal do débito atualizado, igualmente, com respectivos encargos contratuais – quando calcado em uma alienação fiduciária – até a data do pedido, deverá ter seu valor assim integralmente computado na relação de créditos.

Ademais, cogita-se, em nossa proposta, durante o Concurso Recuperacional, limitar a dilação, a suspensão de vencimentos, a execução e o contingenciamento dos juros,  ao “Stay Period”, ou seja, cerca de 180 dias.

As taxas de juros, em nossa opinião, não apenas, poderiam, como deveriam, neste período, ser limitadas à um CDI, ou similar, vez que seja notório que as chamadas taxas de mercado, no Brasil, constituam-se num, entre outros, fatores determinantes da inviabilidade econômica de muitos empreendimentos comercialmente viáveis.

Não há, assim, o que justifique a manutenção de taxas de juros, ditas de mercado, para as empresas que pedem o socorro, ao menos, durante o STAY, é o que sugerimos.

Este mesmo raciocínio, se aplicaria, à “Trava Bancária”, onde o crédito, enquanto tal, em prazos e custos, precisaria se submeter ao “socorro” e ao pertinente concurso, podendo o devedor substituir, no entretempo, as garantias (duplicatas e tais) por outras da mesma natureza e qualidade, à medida em que são pagas.

O crédito, propriamente dito, entretanto, submeter-se-ia ao “STAY PERIOD” e à mitigação dos juros, como sugerido.

Para terminar, outro aspecto que nos parece fundamental, e muito prático:

Quando apresentado o pedido, na instância própria, para evitar uma corrida, seria imperativo, imediata e automaticamente, sentença concessiva de um “Stay Period Provisório”, Preventivo, pode-se dizer, até que o juízo decida, afinal, se acolhe o pedido de RJ.

Helio Ferraz é Administrador e Mediador Judicial do TJRJ

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